A visita do Papa ao Oriente trás à memória experiências muito significativas vividas nos países visitados. Em 1997, na Coreia do Sul, em sessões de formação, numa escapadela ao paralelo 38, os acompanhantes mostravam um certo nervosismo por terem o país dividido entre norte e sul. Nas visitas a monumentos, a memória da ocupação da Coreia pelos Japoneses durante longos anos também não parecia agradável. Na minha partida para o Japão quase se respirava certo contratempo por eu ir visitar o país invasor. Desde então muito terá mudado. O Japão prometia proezas tecnológicas acima da Coreia dessa altura. O aeroporto de Osaka sobre ilha artificial, o comboio sem condutor entre gares, comboio bala para Tóquio, etc. impressionavam. Três dias na capital, sozinho, com exceção de um almoço agradável com o arquiteto português da embaixada Eduardo Kol de Carvalho, foram de grande aventura: na rede do metro, perdido uma vez sem ninguém que falasse inglês, visita à moderníssima Catedral Católica de mil lugares, feira de tecnologias (uma desilusão), passeio à volta da cidadela do imperador, entrevista com o Pe. Jaime Coelho SJ na universidade de Sofia, convívio com os Missionários Maryknoll, tudo era estimulante. Mas foi o destino principal de Nagasáqui que encheu as expetativas. A Igreja dos mártires, onde celebrei com os jesuítas, a visita ao museu e monumento com entrevista ao argentino, Pe. Diego Yukki, o circuito turístico com o Dr. Pedro de Almeida, conselheiro português da prefeitura, os contactos com o presidente da associação Luso-nipónica, com almoço de sushi, a troca de prendas, a visita a uma comunidade de descendentes dos mártires (s.XVI) e «cristãos escondidos»: – foi tudo muito compensador. E ainda a visão dos restos da catedral destruída pela bomba atómica e a visão do parque da Paz evocativa da destruição da cidade gravaram-se na memória. Já o monumento luso-nipónico do Cutileiro não agradou muito. Ficaram na lembrança a ilha do porto onde os últimos comerciantes portugueses eram por fim confinados (presos) até reembarcar, e a visita à capela museu do missionário francês o P. Petitjean, do século XIX onde os cristãos escondidos lhe terão feito as três perguntas famosas para se certificarem que eram católicos: quem vos mandou? Onde está Nossa Senhora? E a tua mulher? Tudo me foi enchendo de contentamento. Em Kobe, já reconstruída do terramoto de 1995 que matou mais de 6 mil, numa semana com Irmãos de S. João de Deus, um dia de palestras com interprete jesuíta inglês-japonês vindo de Hiroxima; a visita a uma dezena de templos em Quioto, as histórias que fui ouvindo e as leituras que entretanto ia fazendo, provocaram reflexões que nunca mais me largaram e até me impeliram a escrever um livrinho de viagens sobre os evangelização e mártires do Japão e da Coreia e suas culturas. A cultura do Japão choca: ninguém rouba; deixe o carro aberto, deixe a pasta, dinheiro, ninguém rouba. Choca o animismo em tudo: arvores, rios, fontes… e, a par disso, a interiorização moral. O gregarismo é fortíssimo e a insularidade receosa. O grupo é senhor dos indivíduos; alguém com projeto isolado, uma raridade. Choca o imperativo de não se poder falhar. O preço é o harakiri ou seppuku por perda de honra perante o grupo. A dificuldade de se converterem à fé cristã é um enigma. Não tanto por objeção moral, consideram a fé muito exigente e não se sentem dignos dela. Decidir-se leva à coerência de vida de fé. Os coreanos já vão em 13% de católicos, no Japão apenas cerca de 0,5%. No Japão parece pesar o receio insular e o brexit de fuga à cultura cristã. Espera-se que o apelo à «paz desarmada» e a oração do papa, nestes dias, reduzam os receios insulares e ajudem a aceitar a fé cristã sem o medo de ser religião estrangeira. O ritmo das conversões a Jesus Cristo virá assim a aumentar?

Funchal, 25.11.2019/Aires Gameiro