HOMÍLIA

Celebramos a Festa do Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Celebramos a memória do passado: de há dois mil anos; a memória da Última Ceia, aquela em que o Senhor Jesus disse que «não voltaria a beber do fruto da videira, até àquele dia em que havia de beber do vinho novo, no Reino de Deus» (Mt 26, 29). Memória da despedida, da partida. Memória da missão cumprida, e a cumprir-se, quase chegada ao fim, prestes a consumar-se na Cruz.
Celebramos a memória no tempo: das multidões de irmãos na fé que nos precederam no reconhecimento de Jesus Cristo presente na Eucaristia, entregue por nós, por nosso amor, no madeiro da Cruz; celebramos o cumprimento da vontade do Senhor que, ao longo do tempo, permanentemente recomenda à Igreja: «Fazei isto em memória de mim» (Lc 22, 19).
Celebramos a memória no presente: Cristo renova no presente a oferta da Sua vida na cruz. Ele renova este dom, este sacrifício, esta presença. No passado, «Cristo entrou de uma vez para sempre no Santuário celeste» (Heb 9, 12). No presente, convida-nos a entrar com Ele no Santuário levando-nos consigo para nos apresentar ao Pai. No Altar fitamos o olhar, o olhar da fé, e vemos o Senhor sacramentalmente presente no Pão e no Vinho, a elevar-se de novo ao Pai; a elevar-nos com Ele ao Pai. A elevar connosco o mundo, a humanidade. Ele apresenta e representa a humanidade nesta elevação para o Pai. Nós com Ele apresentamos ao Pai a humanidade; nós com Ele representamos a humanidade; nós com Ele o universo, neste anseio universal de regresso ao Criador. «Cristo derramou o seu próprio sangue e assim nos remiu para sempre» (Heb 9). O seu sangue derramado por nós redime-nos, hoje; lava-nos e purifica-nos dos nossos pecados. «Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo 1, 36). «Porque comemos do mesmo pão, formamos um só corpo, no dizer do Apóstolo, conforme escutámos: «visto que há um só pão, nós que somos muitos, formamos um só corpo, porque participamos do mesmo pão» (1 Co 10, 17). Portanto, a eucaristia reconstrói o edifício que somos, restaura a Igreja, o corpo místico de Cristo. Assim a Eucaristia é acção (no) do presente; a Eucaristia é de hoje, e não apenas memória vaga ou longínqua do passado.
Celebramos, hoje, na Solenidade do Corpo de Deus: Cristo presente no seu Corpo e Sangue, multiplicado no tempo e no espaço desde aquela Última Ceia. Acerca deste pão multiplicado, o Pe. António Vieira deixou-nos a seguinte ilustração de linguagem onde se espelha o mistério da Sua presença real: «Assim como no cristal se vê por milagre manifesto da natureza o todo, sem ocupar mais que a parte; a divisão sem destruir a inteireza; e a multiplicação sem exceder a singularidade: assim na Hóstia com oculta e singular maravilha, o mesmo Corpo de Cristo é um, e infinitamente multiplicado, dividido, e sempre inteiro, e tão todo na parte, como no todo» (Sermão do SS Sacramento – 1645). Cristo feito nosso alimento para que tenhamos a vida: «Quem comer deste pão viverá eternamente» (Jo 6, 51). No milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus mata a fome à multidão faminta. No milagre da multiplicação do pão da Eucaristia, de que aquele é sinal e imagem, o Senhor ressuscitado, sacramentalmente presente, sacia do pão da vida eterna os nossos corações famintos de eternidade; o Senhor ressuscitado sacia os nossos corações sedentos do cálice da nova e eterna Aliança.
Renovemos a fé na Eucaristia: A fé de todos aqueles nossos irmãos que, ao longo do tempo, acreditaram na Eucaristia como verdade de fé e como acontecimento de comunhão e de encontro com o Ressuscitado. A fé dos Apóstolos que, no decorrer da Última Ceia, ouviram do Senhor Jesus as palavras «Tomai e comei, isto é o meu corpo…Tomai e bebei este é o meu Sangue» (Mt 26, 26-28) e comungaram o Seu Corpo. A fé dos Discípulos de Emaús que, no final da caminhada, reconheceram o Senhor ao partir do pão: «Foi, então, que se lhes abriu os olhos e O reconheceram» (Lc 24). A fé de Paulo que transmite a memória da Última Ceia do mesmo modo que a recebeu: «Eu próprio recebi do Senhor o que por minha vez vos transmiti» (1Co 11, 23). A fé das primeiras comunidades sintetizada na oração, no ensino dos Apóstolos, na comunhão fraterna e na Fracção do Pão (a Eucaristia) – (Act 2, 42 – 46). A fé de S. Justino que, no ano 155, explicando ao Imperador pagão, António Pio, o que fazem os cristãos, relata a estrutura da celebração da Eucaristia, concluindo: «Depois de aquele que preside ter feito a acção de graças e de o povo ter respondido, aqueles a que entre nós chamamos diáconos distribuem, a todos os que estão presentes, pão e vinho eucaristizados e também os levam aos ausentes» (S. Justino, Apologia 1, 65). A comunhão do pão da Eucaristia, segundo o mesmo S. Justino, exige, da parte do baptizado, que viva segundo os preceitos do Senhor. Diz ele: «Ninguém poderá participar nesta refeição se não recebeu o banho para a remissão dos pecados e o novo nascimento (Baptismo) e se não viver segundo os preceitos de Cristo» (S. Justino, Apologia 1, 66, 1-2). Em resumo, irmãos, façamos nossa a fé de Tomás de Aquino que fala da Eucaristia com palavras inigualáveis na riqueza de conteúdo e inexcedíveis na beleza de estilo: «Oh precioso e admirável banquete, salutar e cheio de toda a suavidade! Que há de mais precioso que este banquete? Já não é a carne de touros e cabritos que se nos oferece a comer, como na antiga lei, mas o próprio Cristo, verdadeiro Deus, que se nos dá em alimento. Que há de mais salutar e admirável que este sacramento? N’Ele se purificam os nossos pecados, aumentam as virtudes e se nutre a alma com a abundância dos dons espirituais» (Liturgia das Horas).
P J