Meus caros amigos e irmãos

Em Quarta Feira de Cinzas, de novo o apelo à conversão…

Já o escutámos tantas vezes, o ano passado, no ano anterior, em todo o tempo do percurso da nossa história de crentes. Afinal, é este o apelo fundamental do Senhor, e da Igreja em Seu nome: «arrependei-vos e acreditai no evangelho». A nossa memória sempre precisa de ser recordada dos grandes apelos da vida e da fé. Há o pó dos nossos egoismos, indiferenças, enfim, do pecado, que se vai acumulando nas nossas vidas, que não torna transparente à graça os nossos corações. Interroguemo-nos: sempre que escutamos o apelo à conversão vamo-nos convertendo de verdade? Vamos progredindo na fidelidade ao Senhor que nos chama a vivermos em Aliança de amor?

A voz do profeta Joel é clara como a água da fonte: «convertei-vos a mim de todo o coração». A conversão é, sobretudo e antes de mais, do coração. Os «jejuns, lágrimas e lamentações», os exercícios espirituais da Quaresma – o jejum, a partilha e a oração –  deverão exteriorizar o coração. E quando tal não acontece a conversão será vazia, de fachada.

À luz do profeta, a conversão é ao Senhor. Não a um dogma, a uma doutrina ou ideologia, a um código moral, a uma liturgia. A conversão é um movimento espiritual de pessoa a pessoa com tudo o que é próprio de dois seres pessoais. Conversão, portanto, ao amor que unifica os corações; à aliança estabelecida de geração em geração, celebrada em plenitude com o sangue d’Aquele que nos amou até ao fim; d’Aquele que somos chamados a amar como Ele nos amou. Viver em Aliança de amor é, assim, o objectivo último da conversão de sempre e desta quaresma.

Converter-se ao Senhor significa reorientar a vida para Deus: o quotidiano, as lutas e combates, as alegrias e esperanças, dúvidas e anseios, a vida familiar, profissional, o modo como nos relacionamos e interagimos com a vida, a sociedade, o mundo. Tudo segundo a perfeição da caridade, a marca do amor, a fidelidade à Aliança, o serviço como caminho. «tudo para a maior glória de Deus». É fundamental a atenção ao valor das pequenas coisas. Fieis no pouco e no muito, fieis no gesto de proximidade, na oportunidade à paz, na reconciliação oportuna, no desprendimento dos bens materiais e na partilha dos bens.

O apóstolo encontra um motivo, uma alavanca para a conversão: «somos embaixadores de Cristo», «somos colaboradores de Deus», no mundo que nos rodeia, na comunidade de que fazemos parte, como discípulos missionários. Porque somos embaixadores e em nome da eficácia da missão que o Senhor nos confia deveremos antes percorrer o caminho da conversão.

«nós vos exortamos a que não recebais em vão a sua graça». Recebê-la-emos em vão se não estivermos devidamente preparados, isto é, reconciliados com Deus e os irmãos. A santidade, com tudo o que inclui e implica – a verdade, a caridade, a justiça, o perdão, a não violência, a solidariedade, a ajuda ao próximo, é condição para acolher a graça. Ela (a santidade) dará credibilidade à missão que o Senhor nos confia: sermos seus embaixadores (colaboradores). Sê-lo-emos se a nossa linguagem, a nossa atitude, os nosso valores, forem espelho de quem nos envia, de quem somos representantes. Não podemos ser embaixadores de Deus sem a verdade, o amor, a santidade verdadeira.

«Tende cuidado para não fazerdes as vossas boas obras para serdes vistos pelos homens». A tentação da fachada, do apaluso fácil, do espectáculo, poderão minar a verdade da nossa vida, a autenticidade da conversão. O nosso propósito é agardar ao Senhor; e o despropósito será apresentarmos limpo o exterior mantendo imundo o interior. «Sepulcros caiados», assim se dirigiu o Senhor aos Fariseus. Por fora são belos mas por dentro estão cheios de podridão. Se agimos em função do exterior para agradar aos homens a recompensa será deles e não do Senhor. «Deus que vê o que está oculto te dará a recompensa». A Deus não enganamos. Só nós e Deus vemos o que está no coração. Procuremos, então, agradar-lhe e não aos homens.

Caros amigos e irmãos, como dizia o apóstolo: «este é o tempo favorável, este é o dia da salvação». Não é o passado nem o futuro a hora e o local  onde se jogam a nossa salvação; mas o presente, a hora que passa, o aqui e agora da nossa existência. Como o vivemos? Com a dimensão da eternidade permitindo que a luz do Alto o ilumine, na certeza de que ele terá projecção em Deus? Quando apresentarmos o filme da nossa vida diante de Deus, o que veremos? O que verá Deus? Certamente que as luzes e sombras da hora que passa iluminarão, ou não, aquilo que apresentaremos ao Senhor.

 

P J